quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

VISÃO CÓSMICA DA ARTE

O conceito mais amplo possível que se pode atribuir à arte talvez seja, como paradoxo, o de mais fácil aceitação. Isso teria a sua razão assentada sobre duas premissas bastante óbvias: a primeira, de que a arte não seja apenas uma faculdade humana, aponta hoje para a sua natureza almática ou espiritual, embora já tenha sido considerada de natureza divina em antigas civilizações; e a segunda premissa, a de que haja arte em todo o universo, e portanto, de que sempre houve arte, desde muito antes do homem ser capaz de desenvolver alguma concepção ideológica e alguma técnica capaz de representá-las.

Por menos experimental e científico que possa parecer, esse conceito cósmico tem a especial virtude de atribuir à arte não somente um papel existencial que aproxime artistas e admiradores, mas também uma conotação que os irmana como integrantes sensíveis, de um processo evolutivo cotidiano cuja magnitude vai muito além do que pode saber a nossa tímida compreensão. E mais ainda, atribui ao artista um papel de canal, tanto no sentido de absorver a universalidade da arte, quanto no de captar a universalidade humana, com todas as suas misérias e grandezas.

Assim, quando por exemplo um artista agrega ao seu trabalho a vibração cromática de determinadas cores, ou relação entre cores, ele cria uma linguagem subjetiva e quase sempre subconsciente, e ainda que não ele tenha essa lucidez o efeito, que não depende da sua compreensão, poderá provocar idéias e despertar emoções. De outra forma, quando o artista retrata ou sugere manifestações da natureza humana (tristeza ou alegria, limpeza, sujeira, etc) ele usa esses elementos, e as associações psíquicas e emocionais que eles provocam através da sensorialidade do observador, para compor sua linguagem e dizer alguma coisa. Talvez alguém goste muito, ou talvez deteste. Mas do ponto de vista deste conceito isso importa menos, porque mais importa a reflexão e a dinâmica universal. Exagero? Talvez não.

Vejamos da seguinte forma. Em todo o universo, macrocósmico ou microcósmico, existem processos de identificação que resultam ora em atração ora em repulsão. Planetas ou micro-organismos, por magnetismo ou por outra identificação física ou química, são sujeitos a isso. Todos sabem que animais se identificam pela cor, ou pela cor em determinada época. Enfim, o que propomos é o entendimento de que o conjunto destes processos produz uma dinâmica, que mantém o nosso organismo e todo universo em evolução. Havendo estagnação nosso organismo simplesmente morre, sendo razoável imaginar que coisa semalhante ocorreria com o universo. Se nosso corpo não receber bactérias externas não poderá produzir anticorpos para elas. Se nossa mente, ou nossa alma, não for sujeita à dinâmica das idéias e emoções, incluindo-se o detestável, não poderá haver evolução para ela. Então, se nos entendermos como partes de um todo... Exagero nenhum.

Há dois princípios cósmicos aos quais a arte está intimamente relacionada. Um é o da comunicação e outro o da transformação. E ninguém deve pensar que isso seja algo restrito aos grandes movimentos artísticos e sociais, até porque em muitos casos menos a arte criou o movimento e mais os conflitos sociais influenciaram os artistas, influenciaram a sua obra e provocaram processos de identificação social. Porém o mesmo processo ocorre continuamente todo dia, embora sem ocupar as manchetes dos jornais.

E é isso que fazem pintores, escultores, poetas, músicos, bailarinos e todos os artistas, reconhecidos e ricos ou anônimos e pobres. Todos produzem obras pelas quais transmitem idéias e emoções segundo a sua sensibilidade. Usam a sensorialidade (meio físico, veículo) para despertar a subjetividade de outros. A energia de uma pintura ou escultura (estáticas) partilhará com as pessoas um determinado ambiente durante anos talvez, e os seus subconscientes. Uma música e/ou um movimento de balé (linguagem dinâmica), ou uma palavra lida num "out-door", ou ouvida numa peça de teatro, permanecerá no subconsciente muito depois da pessoa chegar em casa. E terão potencial para provocar reflexão, depois escolhas e ações. Pronto, aí está a dinâmica, no individual e no coletivo. O mesmo princípio usado pelo Criador para tirar o universo do caos... Exagero? Talvez não. Apenas um pouquinho de inofensivo amor próprio da parte do artista.